Nossas mãos; nossa voz |
A minha temática hoje bem que podia ser diferente; falaria do “sete de
setembro”, de festas de Independência e similares; faria uma homenagem a Nossa
Senhora da Natividade, Padroeira de nossa Urbano Santos, e da belíssima festa
feita por nossa Paróquia, de momentos de louvor e adoração; contaria sobre os aniversariantes
do mês: meus sobrinhos, meu filho querido, meu irmão já falecido. Mas... estou há mais de um mês sem publicar uma linha desde
que falei da internação de meu pai e essa minha resiliência não representa necessariamente minha falta de
fé, no entanto, não pretendo macular meu texto com prescrições diárias de
poucas ou nenhuma variação linguística.,
Sempre penso (quando estou escrevendo) que esse meu gesto traz alguma lição; não reparo
muito quanto ao uso de regências e concordâncias, pontuações, reparo antes a palavra
escolhida, o contexto, a ponderação de virtudes, sem os excessos de emoção ou
adjetivos desnecessários. Não acrescento verdades, nesse espaço, construo a
minha pouca capacidade de escrever. Trago aqui experiências vividas através de
falas de meu pai, por exemplo, de ditos e expressões, achei oportuno transcrever
essa: “ Meus filhos, quando um irmão teu sente dor de barriga, tu igualmente a
sentirá”; temos vivido isso desde a descoberta do Mal de Parkinson, acentuou-se com o assassinato de nosso irmão,
mais, com a gravidade da doença de nosso pai. Onde caberá aí a vontade de
grandezas e poderes diante dessas fragilidades? Com que paliativo seria
possível acalentar tantos irmãos em dor?
Disseram-me certo dia que escrevo tão simples... nesse meu texto pretendo
partilhar ainda mais sobre essa impressão; a minha reflexão é da simplicidade.
Olho para meu pai, naquele hospital, naquele leito, confiro-lhe as rugas, outros sinais do tempo e
sinto que são bem maiores que o número de sua idade; quantas histórias de
ternura, de sabedoria, de encanto, de resistência é possível conter em cada um deles
? Quantas vezes essas mãos hoje trêmulas, outrora, calejadas da labuta
acolheram-nos de forma simples e cheias de amor? Em números, quantas noites
acordados ficaram nossos pais, construindo projetos para nosso futuro? Por
isso, e por muito mais, nossos pais precisam de nós, e ele precisa que provemos
nosso plano de amor ao próximo, precisa que personifiquemos nossa humildade
cristã, precisa de nós para saciar sua sede e sua fome, precisa que sejamos
firmes em nosso propósito de fé e de oração. Sei que isso não purificará minha
alma, mas aprendo a edificar melhor minha história de vida, em tempo de fazer
reparações úteis, que nutram ainda mais o meu espírito.
Em meus dias de acompanhante de plantão ( tem sido poucos) quando os
profissionais o perguntam sobre o número de filhos, meu pai estende os dedos prontamente
até que seja conferido nove, naquele instante, em sua lucidez está a lembrança
do décimo filho, que tão precocemente lhe foi tirado, está seu estado de saúde, sua fragilidade, sua
debilitação; e diante disso, apesar de algumas lágrimas e inquietações o que nos
contenta é o tamanho de sua fé a exemplo
do que diz a passagem bíblica : “ E Jesus, vendo este deitado, e sabendo que
estava neste estado havia muito tempo, disse-lhe: Queres ficar são?” A
resposta de meu pai, para uma pergunta analógica é sempre de otimismo, de
positividade. Mesmo assim , com toda essa história, ao fechar meus olhos, penso que
ainda não fomos vencidos, a indiferença para a independência não me torna muda;não ergui bandeira de nenhuma cor,
cristalizo essas palavras porque hoje essa é minha voz, pois, verbalizá-las me enche de mais esperanças, de
mais sensibilidade. Nessa minha tentativa, está a lembrança de que dia onze fará dois
meses da internação de meu pai, nesse dia é passagem de aniversário do flamenguista
querido. Se a minha voz nesse sete de setembro fosse outra, ouviria outras
vozes, com o mesmo olhar, com a mesma admiração, com a mesma simplicidade e a indicação da dose certa
para a dor de barriga que tem acamado todos nós.