Passaste por aqui amigo
caminheiro
E não levou se quer o
respeito
Dos netos dos teus
bisnetos
Passaste por aqui D.
Cosme Bento das Chagas
Nas terras de Urbano
Santos rumo à Catingueira
Organizaste o quilombo
na Lagoa Amarela
Mas não escapou da
forca na goela
Passaste por aqui
companheiro
Foste um negro fujão
Que fugiu da escravidão
Um guerreiro audaz
Líder quilombola
respeitado e admirado
Com espírito de rei
Imperador das
liberdades bem-te-vis
Agiu pelo coração e
pela razão
Junto com o vaqueiro
Raimundo e Manoel Balaio
Organizou a insurreição
Contra a insanidade
Contra a crueldade
A favor da liberdade
Bento das Chagas,
saíste de Sobral
Para nossas terras,
lutou até o fim
Três mil viviam sobre
seu comando
Na guerra, na foice e
no machado
E no tiro estupendo da
espingarda velha
Camponeses, artesãos e
escravos negros
Cheguem para o
terreiro, o ganzá roncou
O atabaque gemeu, o
berimbau bateu
Fumaça ao longe,
trupelo de cavalos ferozes
Quem é? È o Lima de
Alves e Silva?
Quem diria amigo
soldado, matar quem não deve nada
E com isso receber
títulos de nobreza
Até mais minha Caxias!
Nós lhe tomamos por direito!
Acaso recebes ordens de
vossa alteza, soldado?
Acaso recebe ordens do
imperador menino, soldado?
Sabemos que realmente
recebe sim as ordens da regência
Nessa triste hora da
raça branca...
Então caro amigo, você
matou nossos irmãos
Torturou nossos pais,
filhos e filhas
Aqueles que sonhavam em
ser livres de tudo e de todos
Aqueles e aquelas que
viera D`África
Da Mãe Negra, do Pai
João... do Pai José...
Agora amigos Balaios...
vamos até o fim
- Vamos companheiros,
deixem esses legalistas pra lá...
São homens do
imperador menino, tal qual o pai...
Agucemos nossas foices
para mais uma batalha na Miritiba
Chamem os guerreiros da
Catingueira, do vale do Itapecurú e de Brejo
E também todos aqueles
e aquelas que pretendem ir conosco
Raimundo está num
extremo... Francisco noutro... e eu fico aqui
Queremos ler e escrever
para conhecer nossas leis
E assim não sermos
mais escravos de ninguém
Queimem as senzalas e
libertem meus irmãos
Quebrem as correntes
anunciando a abolição... que vem mais tarde...
Senhores... vocês me
chamam de bandido, arruaceiro e feiticeiro
Hipócritas... nem
respeitam minha raça... minha cultura de sangue
Minhas lutas e minhas
glórias... minha história
Vocês vos sabem que
desde 1830 que fui alforriado... e tive a plena consciência
De lutar pelos meus
irmãos sofridos...
Tanto sangue, desgraça
e dor...
Bacalhau, pelourinho...
julguem-me por tudo isso
Escravos negros até
nas igrejas...
Fomos nós meu Senhor
quem construiu o Brasil
Arrancamos o ouro de
Minas para a Metrópole pagar sua dívida com a Inglaterra
Fomos para os
canaviais, praças e pecuárias
Construímos praças,
sobrados, templos e pescamos para Vossas Senhorias
Fomos mortos n`alma e
tratados como bichos
Sem valor... somente
com a dor
Agora amigos da onça...
queremos mais espaços
Por isso estamos aqui
na Balaiada do Maranhão
Estou à frente de
inúmeros negros... a cada dia chega mais gente, mais guerreiros
A cada momento estamos
mais otimistas
Mas sei que vou ser
assassinado da maneira mais hedionda e vergonhosa
Também sei que vos não
escreverão minha história como ela é
Vão tentar dizer às
futuras gerações de que eu fui um bandido subversivo
Vão dizer que não
lutei... e sim que matei, o branco não fez nada... é santo
Vocês querem minha
cabeça e meu fim
Para assim finalizar
esses anseios em busca da liberdade dos povos
Em busca da república,
em busca da democracia e dos direitos humanos
Sabemos meus amigos que
existe um feito notável
De que somente os mais
abastados usufruem do direito de ler e escrever
Por isso vamos lá...
vamos conhecer para se libertar!
Já estou sabendo que
Raimundo e Francisco foram pegos
Mas nós NEGROS...
somos os últimos a cair...
Não vamos nos
entregar....
Tragam minha roupa! Já
são 15 de Janeiro de 1841... três anos de lutas incansáveis
Avante... meus irmãos!
Lutemos contra a escravidão e contra todo sistema...
A insurreição ainda
não terminou... O Raimundo se rendeu e
Nós sabemos que os
brancos quilombolas querem a anistia
Mas o movimento vai
continuar forte e intacto
Palavras para os
legalistas... vocês não lembram?
Ou simplesmente fingem
que não lembra que foram mais de 18 milhões
De africanos arrancados
das terras de meus pais e avós
Para a diáspora no
mundo
Ouçam minha voz... e
libertem suas rebeldias
A escravidão é
invenção de branco
É algo antigo... desde
os tempos da Bíblia
Pois o poeta branco há
de anunciar de que
“Hagar nem o leite do
pranto tem que dá à Ismael”
Zumbi foi assassinado e
Toussaint L ` Ouverture libertou o Haiti
Com idéias iluministas
da Europa... dos sabidos brancos
Olhe companheiros...
foram tantas lutas e batalhas
Perdas e vitórias...
As leis: Eusébio de
Queirós, Ventre Livre... com certeza haverão de vir outras
Ontem a noite sonhei
com a do “Saxagenário e uma certa Áurea de 1888”
Mas isso é pro
futuro... se todos nós não desistir
Arrumem o berimbau, a
cabaça e o atabaque
Coices e rasteiras nos
brancos...
Nós não vamos morrer
de açoites no pelourinho
Nós vamos caçar a
noite pela mata fechada
E pela aurora acordar
com a liberdade
Tambores do Congo,
cabaças de angola
Melaço do engenho e
grito de dor
Senzalas desgraçadas...
queimem guerreiros
Vamos... vamos...
porque o tempo está muito curto
Pois as tropas
legalistas querem me capturar
Para assim dar fim de
uma vez a insurreição dos Balaios
Só resta eu... e mais
ninguém
Já é Janeiro de 1841
– a coisa está ficando feia
O cerco está se
fechando... quem vem ali?
Correm negro por
aqui... se esconde... atirem companheiros!
A luta é nossa... a
vitória é nossa...
Lutem... fujam
companheiros! Porque fui pego... agora vou ser julgado
E com toda certeza
condenado...
Levem-me para a
cadeia... e não contem minha história
Deixem para Mundinha
Araújo do Centro de Cultura Negra do Maranhão contar
Pois ela haverá de
pesquisar minha história depois de muito tempo
Estão me levando
arrastado como bicho para a cadeia
Cheguei... tudo
escuro... algo em comum... já estive aqui alguns anos atrás
Choro agora não só
por mim
Mas pelos meus irmãos
que foram executados... lutando por liberdade
A Balaiada acabou...
como está o meu “Lagoa Amarela”
Março, Abril, Maio,
Junho, Julho, Agosto... Setembro... de 1842...
Chegou a minha hora...
estão me levando para a Vila de Itapecurú Mirim
Estou aqui... estou
ouvindo alguém ler minha condenação em frente a esta cadeia
Pública por ter liderado no Maranhão uma das maiores insurreições
do Brasil contra As dores, desmandos e humilhações causadas às
populações negras e camponesas...
Estão colocando a
forca em meu pescoço
Taparam os meus
olhos... mas quero dizer somente mais uma frase que é esta:
LIBERDADE...
LIBERDADE... LIBERDADE!
Assina: Cosme Bento
das Chagas (heterônimo)
Vila de Itapecurú
Mirim, 20 de Setembro de 1842
Autor: José
Antonio Basto
Urbano Santos-MA, 20 de
Setembro de 2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário