Durante esses últimos seis meses, venho tendo inspiração para a escrita
que pretensamente qualifica parte das lições adquiridas com meu pai. Espero não
está travestida de alienada, de repetir clichês esgotados de significação ou
por pura falta de imaginação esgotar o vocabulário e não apresentar nenhuma conotação. Aliás, para as mentes vacantes, atordoadas em suas
limitações isso não representa muita coisa; aos que emitem impropérios, escrevo
sobre o que convivo, dou-lhe forma e significado, penso na arte assim; fazendo disso uma corrente
boa em torno daquilo em que confio, que faz sentido para mim, lido com o
paliativo dessa limitação atual.
Mas, vou concentrar mesmo minha escrita na acepção dos “cento e oitenta
dias”; na incitação de que em seis minutos, com um único gesto posso fazer
muita gente feliz; que seis horas são suficientes para mudar-se completamente o
rumo de uma história; que em seis dias ou seis semanas o mundo anuncia novas
descobertas e uma enxurrada de informações escorre entre os homens. (Seis
minutos... lembro-me da história dos “Onze minutos”).E nessa onda, passei mais
de seis dias, para entregar-me a casualidade do momento, juntar sentidos e
sentimentos, realçando que há seis meses estamos umbilicalmente ligados pela
internação de nosso pai. Só hoje, através de minhas leituras, recordo o que uma
criança de seis meses é capaz de fazer; há algumas que com essa idade já estão
engatinhando; outras, procuram com as mãos descobrir o mundo; dependendo de seu
equilíbrio, se vira de um lado para outro; reconhece o rosto de alguém
familiar...Depois de oitenta anos, há dias em que assim se encontra nosso pai;
nesses cento e oitenta dias não seria ambiguidade dizer que vivemos esse
privilégio, o desprovimento de algumas coisas nos fortalece para outras
aprendizagens . Do surgimento do sol de um dia, ao despontar da lua de outro,
convivemos com as faces de Deus,(é assim que sinto) nos gestos de dor, de vigília, de
agradecimento.Só quem vive ou viveu momentos iguais, sabe sobre o que estou
falando; transcrevo o que leio nos semblantes de meus irmãos e de minha mãe!
Quando pareço reticente em minhas expressões, ainda trago lições de
plena atualidade ditas por ele: “fazer dois rastros de um pé só”,é assim que
ele nos responde de vez em quando; é assim que nos sentimos quando somos
açoitados pelos problemas, isso me reporta
à passagem de Pegadas na Areia, reescrita por Pe. Zezinho, em que o Senhor
responde ao filho na hora do sofrimento “quando vês apenas um par de pegadas na
areia, nas horas de angústias, foi exatamente aí que eu carregava você”, prefiro
entender da maneira mais positiva que nessa missão, o Senhor não nos abandona,
se nos arrastamos, se somos carregados no colo, se parecemos frágeis,Ele estará conosco em toda a caminhada. Essas lições serão lembradas para a eternidade, pois meu pai , mesmo
quando se arrasta ou é carregado no colo,faz nascer em nós, novos
homens e mulheres, mais alegres, mais felizes, mais fiéis sem deixar que os abissais da patologia nos tire a
esperança de viver mais quantas vezes nos for permitido os cento e oitenta.
Enquanto escrevo, milhares de pessoas estão em filas de hospitais, exigindo atendimento, outras centenas morrem sem as condições necessárias para
a sobrevivência, dezenas delas desejam chegar aos oitenta com a vitalidade e a
lucidez com que nosso pai chegou; sem ser exatamente uma analogia, mas cabe razão ao Mario Quintana quando se vê já se passaram os seis minutos
entre os primeiros sintomas e o primeiro atendimento,já ficaram para trás as quase seis
horas de sufoco e de viagem até a capital,restaram na lembrança os primeiros
seis dias de atendimento na UTI, já não existe mais as idas e vindas do hospital
que haviam há seis semanas; há seis meses, em cento e oitenta dias quanta coisa é
possível fazer. O bom deve ser isso: a mutação, e eu perguntava isso
para alguém: o que você acha que dá para se fazer em seis meses? O que mudou em
seu modo de ser, de pensar e de agir nesse espaço de cento e oitenta dias?
E chegando ao final, avivo minha memória para dizer que de oitenta a cento e oitenta a jornada é longa, os caminhos são de pedra, os declínios incomodam, mas compensa viver todas as horas, todos os dias, ano após ano, com a mesma intensidade, com o mesmo desejo de ser, de compreender, de aceitar; e mais razão terá Quintana com essa citação “ a vida é uns deveres que trouxemos para fazer em casa”, quando se vê já se passaram oitenta, noventa, cento e oitenta... e aí, não dá para voltar e pedir uma nova oportunidade. Essa é minha arte, que é simples, como dois e dois são quatro, não é Gullar; compartilhando histórias de amor, de serenidade e de muita fé!Aguardemos mais cem vezes cento e oitenta porque esse número não é pontual, quem sabe você está aqui, quem sabe!Joguemos semente, plantemos o bem em todas as nossas horas!
E chegando ao final, avivo minha memória para dizer que de oitenta a cento e oitenta a jornada é longa, os caminhos são de pedra, os declínios incomodam, mas compensa viver todas as horas, todos os dias, ano após ano, com a mesma intensidade, com o mesmo desejo de ser, de compreender, de aceitar; e mais razão terá Quintana com essa citação “ a vida é uns deveres que trouxemos para fazer em casa”, quando se vê já se passaram oitenta, noventa, cento e oitenta... e aí, não dá para voltar e pedir uma nova oportunidade. Essa é minha arte, que é simples, como dois e dois são quatro, não é Gullar; compartilhando histórias de amor, de serenidade e de muita fé!Aguardemos mais cem vezes cento e oitenta porque esse número não é pontual, quem sabe você está aqui, quem sabe!Joguemos semente, plantemos o bem em todas as nossas horas!