Raramente quando começo a escrever, lembro-me da limitação “do não
saber”, ou da cautela em não cumprir demanda nesse espaço que criei. O escrever
para mim, não é tarefa fácil, escrevo por teimosia, apago, retiro, acrescento
até eu perceber que houve “conclusão” do pensamento para aquela história
idealizada. Relendo algumas páginas, noto que repito palavras, trato dos mesmos
lugares diversas vezes, cito os mesmos nomes, traduzo os mesmos sentimentos e
essa repetição, revela-se como afirmação das impressões de fragilidades, de
forças, de esperanças, de fé; são elas que de algum modo potencializam o desejo
de ser, de “querer e de poder”, nessas minhas tarefas diárias, especialmente a
de aprender.
Relendo, por exemplo, “Na falta de ar, de oxigênio...”, busquei
respostas para um atendimento imediato, desejei um pulmão de aço, enfatizava a
quebra de barreiras para a garantia de aplicações de medicamentos, tive medo,
muito medo da UTI, sentia o desequilíbrio entre o que queria e o que seria
daqueles dias de internação de meu pai, agourava consumir as forças num dia só,
e as energias eram sempre renovadas quando chegávamos perto dele, com a resposta de que estava tudo
bem; nunca reclamou de uma dor, nunca retrucou porque estivesse de “mal jeito”,
assim, busquei a orientação bíblica que
diz : “a cada dia basta seu cuidado”. Por isso, cuidei em agradecer, a cada
manhã repito a palavra Gratidão; cuidei em reconhecer oportunidades e méritos,
cuidei em conhecer e gostar de outras pessoas, cuidei em compreender
diariamente as escolhas, cuidei em usar melhor as palavras e qualificar gestos,
cuidei em aguçar o olhar para outras
belezas desde julho de 2013, em tempos de ouro, cuidei em ser menos arrogante, cuidei
em colorir mais a vida e como cada um de nós é que sabe de nosso coração,
cuidei em manter vivos apenas bons sentimentos.
E graças a Deus, chegamos a mais um mês de julho, mês em que
comemoramos duplamente o aniversário de meu pai, dia 04 pela data de seu
nascimento e depois do dia onze, por tanta força, toda energia e tamanha fé em
sua recuperação. Foram quatros meses de internação, meses em que a dúvida persistia
em morar em nossas cabeças, que bom que já são dois anos em que o abraço, o
sorriso, a voz são cada vez mais valorizados.
Para nós, nenhum homem tem tamanha resistência como tem nosso pai. E no
mês de junho, quando acordou, dia 21, minhas irmãs insistiam para que ele se
lembrasse de quem era o aniversário , ele titubeou , resguardou-se por um
tempo, no entanto, com o mesmo cuidado e com a mesma emoção com que sempre
tratou todos os filhos, olhou para mim, estendeu a mão, o abraço e desejou-me
“feliz aniversário”. É para ele minha admiração, meu agradecimento, é com ele
que aprendo a contar certas histórias, sem necessariamente saber escrever, é
por ele que faço essa homenagem porque nunca lhe faltou tempo para cuidar de
nós. Quando perdemos nosso irmão em 2010, passados os momentos mais difíceis,
ao sair da escola, ficávamos ali, sentados à porta, com minha mãe, no esforço
de ouvir outras histórias, sorrir de outras piadas, colher e encantar-se com
boas lembranças, ficávamos até que o sono chegasse e eu me despedia por mais
uma noite. Foi assim, por muitos dias, meses... De lá pra cá, porque o Parkinson
já existia, as limitações tornaram-se cada vez maiores, mas é fortaleza certa,
seguro de que ainda terá mobilidade para ir trabalhar. É dele o plágio da expressão “eu tenho um
nome” (e todos nós temos, lindo isso, já dizia uma colega) é dele a provocação
de que devemos ser iguais a onça, ditos e anedotas que foram contadas por
milhares de vezes; das roças, das carroças, do angu com isca de peixe, do
cavalo selado, das chaves que só nós mesmos detemos, das perseguições em tempos de ditadura, da arquitetura, das
matemáticas de nossa infância ensinadas por minha mãe; é capitão não por título
e por direito, mas por “arranjos de convivência”, é leigo e contador de
histórias.
A confiança passa por aqui |
Atualmente sou muito mais otimista, “escapei da meninice porque só
agora tenho muito mais vaidades”, recebi doses diárias de alegrias, de
encorajamentos para permanecer firme assim que pensasse ‘que a batalha estaria
perdida’, mensagens bonitas e compartilhadas, vindas de pessoas que só mantém
amor no coração, deixaram-me com outro olhar, e antes que a emoção embargue minhas palavras,
recrio um poema de Bilac: não choremos ,
filhos, a mocidade/ façamos de tudo para envelhecermos rindo/Envelheçamos como
as árvores fortes envelhecem/na gratidão, na alegria e na bondade/ agasalham
pássaros nos ramos/ dando sombra, falando de amor, estendendo as mãos aos que
merecem. Em tempo de ouro, porque ainda comemoro a passagem de meu
aniversário, faço dessa história minha mensagem de agradecimento, meu registro
de parabéns, meu reconhecimento de que outras mãos, mais uma vez foram
responsáveis por eu estar aqui. Que os anjos se equilibrem e acendam todas as
luzes, porque 04 de julho é data histórica, registro de lucidez, de emoção, de
outra embriaguez e das mais completas felicidades. Maria, traz minha toalha é hora do banho!
Guardem bem essa voz, mais tarde, bem mais tarde, podem sentir falta dela. Parabéns
meu pai, parabéns minha mãe! Obrigada por nos ensinarem tantas coisas!Obrigada porque dão muito sentido as nossas vidas ! Muito obrigada!