Meus pensamentos hoje, especialmente hoje, revisitam aquele dia 28 de
maio de 2010, (após ler na rede social, um status de uma irmã minha) neles
encontro o sentimento da perda, da indignação, da tristeza, da ponderação, do
amor e do perdão. Nesse instante, meus gestos falariam bem mais do que milhares
de palavras se eu não sentisse a intensidade de emoções mais nobres, mais
fortes, mais reais; acho até, que não encontraria na “alma intocável”, coração
endurecido, uma palavra sequer que desenhasse esses quatro anos de assassinato
de nosso irmão, Cabo Paulino Sodré.
Retomo minhas escritas anteriores e recuo com a perversão de algumas
palavras ou na antecipação de julgamentos; quando, por exemplo, na missa de
sétimo dia escrevi “Por que mataram meu irmão? Por quê?” o fiz na tentativa de
que dadas as circunstancias dos fatos, os influentes e “poderosos” à época nos
dessem uma resposta. Seria de admirar se as tivéssemos. Nunca as obtivemos. E
se os assassino-executores tivessem sido julgados, condenados, cumprido penas,
ainda assim as respostas não nos convenceriam.Porque maquiaram cenas,
adulteraram respostas, camuflaram fatos, acobertaram testemunhas ... e em
nossas cabeças ecoava o refrão “Mataram mais um irmão”;quanto a isso, sei que
cada vez entendo menos e se construo o discurso da vitimização, entendo
nada.Normalmente, escreveria pensando na dor da perda, na inútil sensação de
tristeza, acontece que as respostas não
estão conosco, são abstrações dentro de nós para nos fortalecer enquanto matéria, porque a partida
precoce de nosso irmão deixou o legado de que ele de alguma forma doou a vida
para nos proteger de um mal maior, doou a vida para não se deixar inebriar com
os encantos da vaidade humana, doou a “vida
aos pés da cruz” por seus pais, sua filha, seus irmãos. As palavras de
conforto, as poesias, as delicadezas de entes outrora desconhecidos me
trouxeram essa resposta.
Depois daquele dia, a questão é que tive medo, muito medo. Os meus
conflitos no inconsciente (curados por outras sensações) me cegavam para outras
realidades. Quantas barrigas vazias varam a noite inteira? Quantos morrem à míngua
sem um mínimo de cuidado? Quantas mulheres violentadas, espancadas e maltratadas
pelo cotidiano sobrevivem e transmitem paz?Passados esses anos, outras
cores, outro cenário: as despedidas, as dores, nos ajudam a estender as mãos e
entender outras dores. Ao fechar os olhos de súbito, enquanto digito, me vem à
lembrança das mãos e palavras de conforto de nossos pais, o pedido para que eu
não “esbravejasse”, não lutasse contra os “grandes” que estavam no poder, não
publicasse uma linha que denotasse acusação, que crescêssemos na esperança e na
fé. Agora com as mesmas emoções com que escrevi algumas linhas, há quatro anos,
trago esse tributo para compreender essas verdades. E não faz muitos dias, que
nosso pai, com uma lágrima, no canto do olho, fixando no horizonte, nos
perguntava: “Nunca soubemos por que mataram Paulino”. Sim, nunca!Na prática,
para quem ele foi “servo” nunca houve interesse em desvendar essa execução. Nunca
indicou um paliativo sequer, que pudesse dirimir nossas dores! Nunca ouviu
nosso soluço, nem leu nossa história!Nunca soube de nossos sonhos! Nunca assumiu a fragilidade de cristão!Nunca!!!
Em minha casa, enquanto escrevo, pelas mídias, apenas acompanho sua trajetória,
o que me espantaria era se a reação fosse outra.
Deixemos tudo isso, para lembrar que naquela noite de vinte e oito,
éramos dez irmãos, distintos, dois distantes e razão tem Deus em sermos tão
desiguais; pois como diz a canção Ele envia seu filho amado para morrer em seu lugar,
e com o sentimento de que Ele vive podemos crer no amanhã .Nesse caso, a minha premunição é que estamos vivendo,revestidos do amor, com o coração para "perdoar e sorrir", acompanhados da reconstrução do SER, porque a saudade que nos quebrou naquela noite, hoje
serve para remontar nossas histórias, recontando passos para continuarmos
firmes, estendendo as mãos aos nossos pais, com boas lembranças, recordações de
um irmão que como os demais, distinto, amou e foi amado por todos nós. Naquela noite,
em que uma vida foi tirada, às outras foram
apresentadas oportunidades de crescer na benevolência, na caridade cristã, na fé, no amar ao próximo.Alegra-me saber o quanto podemos ser melhores! Caminhemos
em busca de outros abraços, outras alegrias,outros irmãos,outros sonhos. De meu poema, a lembrança: somos nove irmãos e a minha
dor não é a maior de todas.