AS MÁSCARAS NOSSAS DE CADA DIA



O presente texto parte de uma reflexão a respeito de uma singela observação acerca do comportamento humano em seu contexto social. Não apenas situada em nosso tempo, ou em um determinado tempo especificamente, mas parte de numa análise diacrônica da humanidade. Neste sentido, não revela dados científicos e nem tampouco tem o propósito de “persuadir” o leitor a respeito de ponto de vista, mas de conduzi-lo a uma reflexão crítica sobre as diferentes posturas por nós assumidas em determinadas circunstâncias de nossas vidas e de nossa história.
Nesse sentido, sempre que alguma ideia me ronda a cabeça com desejo de materializar-se, a primeira dúvida que me surge é sobre a indefinição de que máscara  terei que usá-la para a realização de tal intento. Haja vista, que, em maior ou menor grau, as ações humanas carregam sempre em si, certa dose de dissimulação. E desta forma, considerando-me um sujeito dito normal, agente de uma “sociedade ética e moralmente exemplar” e, sobretudo, um sujeito pensante e formador de opiniões, penso que para cada ideia em que nos propomos a defender, teremos que utilizar uma máscara que corresponda a tal propósito. Assim sendo, assumir a condição de um ser mascarado, talvez seja a forma mais simples e, portanto, mais fácil de nos fazer compreender por nossos pares. Não é uma tarefa simples, porém, necessária. Pois nesta empreitada torna-se imprescindível assumir essa condição de um personagem, nivelando-se, não somente no concernente às ideias, mas principalmente na forma linguística, aos nossos “semelhantes” de modo que se possa atingir o que se pretende.  
Inicialmente, torna-se importante ressaltar que, para muitos essa ideia “meio maluca” poderá até causar alguma estranheza, porém, a concebo com a mais absoluta normalidade visto que à medida que me dedico a tentar compreender o comportamento humano, mais me persuado dessa realidade: o “homem” é um ator da vida real em contínua atuação no grande palco do mundo!Destarte, sendo a dissimulação uma das principais características do homem civilizado, e levando em consideração de que para cada ação que realizamos fazemos uso de diferentes máscaras, associo-me ao pensamento de Lissa Price, que brilhantemente afirma, “Ninguém é o que realmente parece”. E nesse sentido, o que não nos deixa ser, viver e demonstrar o que realmente somos, são “as máscaras nossas de cada dia”. Pois nesta perspectiva, a máscara nada mais é do que um véu invisível que encobre e esconde a nossa verdadeira identidade, aquilo que verdadeiramente somos.  Alguns as usam para encobrir o rosto; outros, as atitudes da alma. Pois aqueles que mais se jugam justos, corretos e intocáveis, são, geralmente, os que mais utilizam as máscaras para esconder o que realmente são. Cabe salientar, que não nos cabe aqui, e nem teria eu a pretensão de julgar especificamente a ninguém, porém, não podemos negar que elas existem e que todos nós as usamos de acordo com as nossas conveniências. Quando não pela intenção de encobrirmos nossas fraquezas e defeitos, ou de vendermos uma imagem daquilo que não somos, mas pela exigência da falsa moral e decoro da sociedade na qual estamos inseridos e dela fazemos parte, “exige” de nós. 
Os tipos das máscaras nossas de cada dia são os mais diversos. Quanto mais máscaras se têm ao dispor e delas se sabe fazer o adequado uso, melhor se sobressairá naquilo que faz e consequentemente, na vida. No entanto, é importante lembrar que não nascemos mascarados, pois é de acordo com o tempo e o meio em que vivemos que as adquirimos e aprendemos a usá-las. Rousseau sabiamente afirma que “O homem nasce puro, a sociedade o corrompe”. Desta forma, desde muito cedo somos corrompidos ao sermos modelados para servir a esse universo de dissimulação e mascaramento social. É de nossos pais, ou seja, no seio de nossas famílias que recebemos as primeiras lições e, portanto, as nossas primeiras máscaras. “O decoro social ordena” e a educação que recebemos se encarrega de nos lapidar, modelar, polir e enquadrar-nos ao modelo social vigente! 
Não tenho dúvidas de que pouquíssimas pessoas se deliciarão ao ler este texto, desagrado que julgo ser absolutamente normal. Primeiro, porque para muitos esta ideia poderá retratar de uma visão extremamente negativa e pessimista da humanidade. Segundo, porque esse tipo de leitura costuma não ser o que a maioria das pessoas gosta de ler. Pois grande parte de nós tende a se sentir atraída por leituras mais fantasiosas e superficiais, o que imperceptivelmente nos ajuda a sedimentar e solidificar nossas máscaras. E isso fortalece ainda mais a tese das máscaras nossas de cada dia.  Porém, torna-se indispensável salientar que não se tratar aqui de uma visão negativa e pessimista da humanidade, mas de uma visão realista do “homem social civilizado”. Portanto, nesta perspectiva, negar a dependência de nossas máscaras é assumir uma condição inversa. É comparável ao homem que arrogantemente estufa o peito e bate dizendo, “eu jamais menti sequer uma só vez em toda minha vida!” Argumento que por si só já imprime uma das mais terríveis e também das mais comuns mentiras que se pode dizer. Pois o homem, por sua natureza, e acrescentando a isso, as condições sociais as quais é submetido, por mais verdadeiro e transparente que seja, não estará isento de mentir, fingir, ocultar, dissimular, a depender das suas conveniências.
As máscaras nossas de cada dia podem ser caracterizadas e entendidas das mais diversas formas, e concebidas como positivas ou negativas a depender da subjetividade e da conveniência de cada um. Elas não existem desde o início da humanidade, portanto, não são inatas. Mas passaram a existir a partir do momento em que o homem passa do seu estado de natureza ao estado social. Assim sendo, não fazem parte do estado de natureza humana, mas do estado social do homem. Nesta perspectiva, estão intrínsecas aos nossos modos de convivência social e, portanto, caracterizam toda e qualquer ação do homem como ser social. Entre os tipos de máscaras mais comuns em nossas atitudes cotidianas, destacam-se: a máscara da hipocrisia, da espiritualidade, da riqueza, da arrogância, da força, da eloquência, da superioridade, da fragilidade, da vitimização, da beleza etc. (a ordem aqui apresentada não significa ter uma mais importância que a outra). Todas elas têm como objetivo, intencional ou não, esconder uma realidade que não se pode, não se deve ou não se quer revelar. Exemplificar aqui cada ação nossa de acordo com os tipos de mascaras acima citados, julgamos não ser necessário, dada simplicidade que esse exercício requer. Pois qualquer pessoa minimamente atenta será capaz de tal proeza.
É inegável a utilização das máscaras em nossas vidas. Seja para o bem ou para o mal (potencialidades que também são relativas). Thomas Hobbes, um filósofo contratualista do início da modernidade, diz que “o homem é o lobo do próprio homem”. Para este pensador, “O homem em seu estado de natureza, vivia em permanente estado de guerra de todos contra todos. Porém, seu agir era natural. Já no estado social civil, o homem passou a agir coagido pelas regras contratuais acordadas e estabelecidas pela sociedade civil,” e todo agir coagido configura-se um agir artificial, portanto, mascarado.Já, para Rousseau, o progresso das “Ciências, das Letras e da Artes”, ao invés purificar, corromperam ainda mais os costumes da humanidade. “Ninguém mais ousa parecer aquilo que é.” Diz ele. Para este filósofo, o homem desenvolveu uma capacidade tão grande de simulação que: “Precisamos, pois, para conhecer um amigo, esperar as grandes ocasiões.” E completa ainda o filósofo, “As suspeitas, as desconfianças, os temores, a frieza, a reserva, o ódio, a traição, hão de ocultar-se sempre sob o véu uniforme e pérfido da polidez”. Nesse sentido, torna-se possível afirmar que quanto mais urbanidade e polidez adquire o homem, mais capacidade de dissimulação e disfarce terá ele.
Usamos máscaras para tudo na vida. O aculturamento dos homens está muitas vezes tão intrinsecamente ligado ao mascaramento, ao ponto de tornarem-se indissociáveis e ao mesmo tempo, imperceptíveis. Para ilustrar esse pensamento, basta um singelo olhar sobre alguns clássicos da literatura mundial, dos quais fazemos inquestionáveis usos, desde os infantis ao nível mais elevado e complexo, incluindo inclusive, os textos sagrados. A lição que nos ensina a identificar e as astúcias do “Lobo mal” da história da “Chapeuzinho vermelho”, é a mesma que nos ensina a agirmos como o próprio lobo.   A lição que nos ensina a identificar e a nos defendermos das malícias da “Serpente do Éden”, é a mesma nos ensina a agirmos como tal. Desta forma, evidencia-se que, tanto a “Madrasta da cinderela”, com toda sua malícia, astúcia e maldade, quanto a própria “Cinderela”, com toda “pureza e ingenuidade”, utilizam-se de seus disfarces e artifícios (máscaras) para levarem vantagem uma sobre outra.
Desse modo, distinguir o falso do verdadeiro no que diz a respeito a natureza das ações humanas, é uma meta praticamente inatingível, dada a capacidade de dissimulação e mascaramento desenvolvida pelo homem. Pois como diria o próprio Rousseau, “O falso é suscetível a uma infinidade de combinações; a verdade, porém, só possui uma maneira de ser.” Assim, além de toda capacidade de mascaramento desenvolvida pelo homem ao longo da “história civilizada”, existe ainda a incapacidade de capturar por parte do outro a essência da verdade a respeito daquilo que se apresenta. Nesta perspectiva, se tratando da capacidade de dissimulação e mascaramento, o Filósofo diz ainda, “Como seria agradável viver entre nós, se a aparência fosse sempre a imagem da disposição do coração, se a decência fosse a virtude, se nossas máximas nos servissem de regras.” Porém, como disse anteriormente, ninguém é o que realmente aparenta ser; quanto à decência, adotamos aquele velho ditado “faça o que digo, mas não faça o que eu faço”; e por último, adotamos de nossa tradição cristã, apenas o discurso, e descartamos o próprio Cristo. “Amar o teu irmão como a ti mesmo” ou “jamais faça ao outro aquilo que não gostaria que alguém fizesse a você”. Isso como princípio bíblico! Todavia, não costumamos em geral, agir desta forma, pois devido as nossas máscaras, os nossos discursos, geralmente segue por um caminho e as ações por outro, havendo uma considerável distância entre ambos.
Exigimos sempre a verdade, mas não a suportamos. Gostamos de tudo daquilo que nos são agradáveis aos sentidos, menos da verdade. Alguém que por acaso tente ser inteiramente verdadeiro, em poucos minutos terá atraído milhares de inimigos e talvez até a morte. Como diria Martin Lute king, “Para atrair inimigos não precisa declarar guerra, basta falar a verdade!” Com isso percebe-se que a verdade não costuma ser agradável, ter belo sorriso, não dispões de muitas atrações. Ao contrário, às vezes costuma ser insuportável. Como, por exemplo, a morte! Pois ela é uma das poucas verdades indubitáveis que se tem na vida. Alguém por acaso sentir-se-ia atraído por ela? Portanto, a busca pela verdade, como diz Evandro Guedin, “deve ser uma constante em nossas vidas como horizonte último de nossa existência.” Desta forma, mesmo diante de toda dificuldade de se encontrar, mesmo sabendo de sua temporalidade, sua incompletude, e que ela não é e nem pode ser absoluta, negar sua existência, seria negar a possibilidade de se chegar a ela. Assim como não se pode negar as máscaras, também não se pode negar a possibilidade da verdade.

Professor Jurandi Pedrosa

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